Um dos primeiros pedidos que a criança, em idade de verbalizar e perceber o real, faz ao seu círculo familiar e educacional, é a expressão quase universal: "Conta-me uma história".
E acontece que, desde a noite dos tempos, os Homens contam. Sem recorrer à escrita, mas transmitindo, de boca em boca, histórias cheias de aventuras, de personagens simples e coisas maravilhosas. Estas histórias, que constituem o "tesouro dos contos" e que se encontram em todas as culturas e sob formas diversas, tornam-se para nós a nossa memória colectiva, exprimindo-se pela sua originalidade e também pela universalidade das nossas culturas nacionais.
Tempos houve em que esta memória colectiva era transportada por homens e mulheres cuja espécie está em vias de extinção na maior parte dos povos: os contadores de histórias.
Devido a factores culturais e sociológicos, o contador popular, muitas vezes iletrado, tornou-se uma espécie de personagem mítica e longínqua.
Contudo, reconhece-se que há uma dezena de anos para cá assiste-se ao nascimento de uma nova geração de contadores que retomam o tesouro do passado, o enriquecem, o renovam e levam os contos um pouco por todo o lado. A salvaguarda dos Contos Populares, e por conseguinte da memória de um povo, está também ligada à escola, à criança, àqueles que cresceram com eles, aos educadores e professores, tornando-se assim os guardiões do tempo, os contadores de histórias de hoje.
É verdade que as crianças de hoje vivem num mundo que em nada se parece com o mundo dos Contos Populares, um mundo de uma sociedade antiga e rural. E a primeira virtude dos Contos Populares é a de fazer com que a criança mergulhe de novo numa cultura esquecida e perdida.
Os verdadeiros contos são anónimos, de origem longínqua e difícil de temporizar. Classificam-se como sendo uma pequena narrativa simples que não entra em pormenores e reduz ao máximo a acção, o tempo e o espaço.
Passados de geração em geração por via oral, os Contos Populares fornecem uma explicação do mundo, são a expressão de terrores e esperanças mais profundos, são uma escola de sabedoria, uma essência primordial em que cada povo foi depositando os seus medos, as suas angústias, os seus protestos, a sua crença num mundo melhor.
A sua oralidade levou a que existissem versões diferentes de um mesmo conto. Porém o essencial do conto mantém-se inalterável.
Os Contos Populares tiveram os seus admiradores intelectuais que a eles se dedicaram numa investigação exaustiva e posteriormente a edição em colectâneas.
O primeiro que provavelmente se interessou foi Gonçalo Trancoso, que em 1575 reuniu textos da tradição oral e textos de origem erudita, chamados Histórias de Proveito e Exemplo.
É de lembrar, ainda, a colecção de romances populares elaborados por Almeida Garrett.
Em finais do século XIX, o interesse pelo conto popular cresce e assiste-se à preparação de grandes colecções de tradições populares recolhidas directamente da oralidade do povo.
Assim destacam-se Adolfo Coelho com Contos Populares Portugueses, em 1897; Teófilo Braga com Contos Tradicionais do Povo Português, em 1883; Consiglieri Pedroso com Contos Populares Portugueses, em 1910. Também, em 1987, Ana de Castro Osório editou um livro intitulado Para Crianças.
Actualmente verifica-se um maior interesse, por parte de alguns autores, na compilação e reedição de contos populares.
Assiste-se assim ao avivar da memória e tesouro popular de um povo, que afinal é nosso, e que caracteriza a nossa História e acentua a nossa cultura. Memória que é necessário salvaguardar, transmitindo-a às crianças e tesouro que se descobre de novo; conquistamo-lo e nunca mais o queremos perder.
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